Os fenômenos espíritas na Bíblia: uma análise à luz da Doutrina Espírita

 

Introdução

Os fenômenos espirituais não são exclusivos do Espiritismo moderno. As Escrituras Sagradas, especialmente o Antigo Testamento, estão repletas de relatos que, à luz da Doutrina Espírita, podem ser interpretados como manifestações mediúnicas. Léon Denis, em Cristianismo e Espiritismo, afirma que o Espiritismo não cria os fatos, mas os explica racionalmente, resgatando seu sentido moral e espiritual. Este artigo propõe uma análise profunda de alguns episódios bíblicos clássicos, comparando-os com a fenomenologia espírita e trazendo reflexões contemporâneas para estudiosos da doutrina.

1. O Espírito que apareceu a Elifaz: A visão de Jó

No Livro de Jó, capítulo IV, versículos 13 a 16, temos um relato impressionante:

“No meio dos pensamentos de visões noturnas, quando cai o sono profundo sobre os homens, veio sobre mim um temor, um tremor que fez estremecer todos os meus ossos. Um sopro passou por diante de mim; os cabelos da minha carne arrepiaram-se. Parou, mas não conheci a sua aparência; uma figura estava diante de meus olhos; ouvi uma voz que murmurava...” (Jó 4,13-16).

Esta passagem descreve com precisão os sintomas físicos e psíquicos de uma manifestação mediúnica por efeito visual e auditivo, semelhante às aparições relatadas nas reuniões espíritas sérias e controladas, como analisa Gabriel Delanne em O Fenômeno Espírita. Elifaz, sem compreender, descreve os sinais clássicos de um Espírito comunicante.

2. A consulta a Samuel através da médium de Endor

Em I Samuel 9, 9, é explicado que antigamente, quem consultava a Deus dizia: "Vinde, vamos ao vidente", evidenciando o papel dos médiuns videntes na tradição hebraica. O caso mais notório ocorre em I Samuel 28, quando Saul busca a médium de Endor para evocar o espírito do profeta Samuel.

A manifestação se dá fora do controle do médium, caracterizando um fenômeno de evocação espiritual direta. Saul vê e ouve Samuel, que lhe transmite um aviso grave sobre seu destino. Léon Denis destaca que, no mundo antigo, o intercâmbio com o além era uma realidade natural, mas que o tempo obscureceu sob o peso da ignorância e do dogmatismo.

3. Balaão e sua mediunidade

Nos capítulos 22 a 24 do Livro dos Números, Balaão é apresentado como um homem que escutava as instruções divinas e as transmitia. O episódio em que sua jumenta fala (Nm 22) pode ser compreendido, na linguagem espírita, como um fenômeno de mediunidade indireta, onde o Espírito utiliza um animal como meio de advertência, ou ainda como um caso de audiência mediúnica onde Balaão ouve a advertência espiritual projetada na figura do animal.

4. A advertência contra os encantamentos em Isaías

Em Isaías 47, 12-15, a Bíblia de Jerusalém adverte contra os encantadores e adivinhos que desviavam o povo da verdadeira espiritualidade:

“Persiste, pois, com teus encantamentos e as numerosas feitiçarias com que te cansaste desde a juventude. Talvez possas tirar algum proveito...” (Is 47, 12).

O Espiritismo diferencia claramente o intercâmbio espiritual legítimo (de finalidade moral e educativa) da prática da feitiçaria, que visa interesses materiais e egoístas. Léon Denis salienta que o verdadeiro médium deve servir ao bem e ao esclarecimento espiritual, e não a interesses inferiores.

5. O Urim e Tumim: Instrumentos de consulta espiritual

Em Êxodo 28,30 e Números 27,21, encontramos referência ao Urim e Tumim, objetos utilizados por Moisés e os sacerdotes para consultas espirituais. Trata-se, provavelmente, de um instrumento simbólico ou mediúnico que facilitava respostas inspiradas.

Na ótica espírita, seriam equivalentes a processos de psicometria ou intuição, através dos quais Espíritos superiores poderiam orientar decisões importantes do povo hebreu.

6. Os fenômenos mediúnicos como parte da revelação progressiva

Léon Denis, em Depois da Morte (capítulo 1), esclarece que a revelação divina é progressiva e se manifesta de acordo com o grau de compreensão da humanidade. Os fenômenos descritos na Bíblia são exemplos primitivos do que o Espiritismo hoje explica com clareza e profundidade. Denis afirma que “todas as religiões tiveram como ponto de partida o intercâmbio com o mundo invisível”.

7. Outras obras espíritas que analisam a Bíblia

Além de Léon Denis, autores como Hermínio Miranda (Diálogo com as Sombras), Herculano Pires (O Espírito e o Tempo) e Haroldo Dutra Dias (O Evangelho de Jesus à Luz da Linguagem Hebraica) realizaram estudos sérios sobre a mediunidade nos tempos bíblicos, mostrando que a comunicação espiritual sempre acompanhou a humanidade, sendo interpretada segundo a cultura e os valores de cada época.

Conclusão

Os fenômenos espíritas na Bíblia não são apenas relatos históricos, mas evidências de que a comunicação com o mundo espiritual sempre esteve presente na trajetória humana. O Espiritismo, ao esclarecer esses fatos com racionalidade e profundidade moral, convida-nos a compreender a Bíblia sob nova ótica: não como um livro de superstições, mas como um repositório de experiências humanas e espirituais que conduzem ao progresso do Espírito.

Assim, longe de negar a Bíblia, o Espiritismo a resgata em sua essência espiritual, promovendo o reencontro entre fé e razão.

Referências Bibliográficas

• BÍBLIA DE JERUSALÉM. Isaías 47:12-15; Números 22-24; Jó 4:13-16; 1 Samuel 9:9; Êxodo 28:30; Números 27:21.
• DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo. Notas complementares nº 7.
• DENIS, Léon. Depois da Morte. Capítulo 1.
• DELANNE, Gabriel. O Fenômeno Espírita.
• MIRANDA, Hermínio. Diálogo com as Sombras.
• PIRES, Herculano. O Espírito e o Tempo.
• DUTRA DIAS, Haroldo. O Evangelho de Jesus à Luz da Linguagem Hebraica.
• KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. FEB.

Links Externos Relevantes

• Federação Espírita Brasileira
• Bíblia Online
• Centro de Estudos Léon Denis

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